domingo, 17 de maio de 2009

TOCA DE ASSIS DE MADUREIRA: MUITO MAIS QUE CARIDADE

Os assistidos Benedito dos Santos (43), Alan de Oliveira (56) e Aloízio Bernardo (56) na varanda dos dormitórios


Paulo Garcia (60), à direita, e Benedito dos Santos (43) revezam-se no cuidado com a horta

Irmão Joabe José (28) na capela, um dos lugares mais frequentados da casa

Entrada da sede da Toca, em Madureira

Instituição religiosa, chamada Toca de Assis, prova que o assistencialismo não é a melhor maneira de recuperar a cidadania de moradores de rua

Texto e fotos: Paulo Fernando Maia / Projeto Experimental I / Campus Bispo


Muita gente não acredita, mas é possível reintegrar à sociedade uma pessoa que mora na rua. A Fraternidade de Aliança Toca de Assis, Instituto dos filhos e filhas da pobreza do Santíssimo Sacramento, é uma instituição ligada à Igreja Católica que tem dado bons exemplos de recuperação da cidadania de homens e mulheres que viviam em situação de mendicância, com trabalhos que vão desde a assistência emergencial até a conquista de um emprego.


Atuando no Terceiro Setor há 15 anos, a Toca de Assis está presente em diversos estados do Brasil com mais de 100 casas de acolhimento. Ela atua também no Equador, na Colômbia e em Portugal, sempre com o objetivo de transformar a realidade social e não apenas alimentar ou agasalhar os mais pobres. Apesar de ser dependente de doações, a instituição tem conseguido oferecer serviços mais qualificados do que alguns órgãos públicos.

“Hoje eu sou feliz, muito feliz. Devo minha vida aos irmãos que me acolheram aqui”, afirma Benedito dos Santos, de 43 anos, que é morador da Toca de Assis há quase quatro anos. Em 1986, Benedito veio do Maranhão para passear na casa de um tio, em Anchieta, na Zona Norte do Rio, mas resolveu ficar. “Não tinha nem ideia do que ia me acontecer pela frente”, comenta.

Assim que conseguiu um emprego como ajudante de pedreiro, mudou-se para uma hospedaria em São Cristóvão, na região da Leopoldina. Porém, os serviços temporários sempre o obrigavam a mudar os planos. “As obras acabavam e eles demitiam todo mundo”, afirma Benedito, que também já trabalhou como auxiliar de serviços gerais.

De obra em obra, o ajudante de pedreiro passou por 11 empresas, até que não conseguiu arrumar mais trabalho. Sem dinheiro para pagar o aluguel da hospedaria, ele foi morar na rua. Ao final de quase seis anos de mendicância, Benedito foi agredido com uma paulada na cabeça e com uma machadada no pé por bandidos de uma favela do bairro de São Cristóvão.

Parecia ser o fim da trajetória do maranhense, que abandonou a família em busca de trabalho, não fosse o encontro com os religiosos da Toca de Assis. Com duas feridas infeccionadas, ele foi encaminhado pelos irmãos para o hospital, de onde só saiu para a sede da Toca, em Madureira, na Zona Norte do Rio.

“Hoje sou auxiliar de serviços gerais de uma rede de supermercados. Fui contratado com carteira assinada”, conta Benedito, que tem planos de alugar uma casa para que a vaga que ocupa na Toca seja cedida a outra pessoa que ainda mora na rua. “Arrumei até uma namorada, mas, por enquanto, não podemos morar juntos”, revela o maranhense.

Benedito dos Santos (43), no pátio da Toca: "ganhei muitos amigos depois que saí da rua"

MORADORES DE RUA SÃO LEVADOS PARA SEREM TRATADOS EM HOSPITAIS

Uma vez por semana, os religiosos da Toca de Assis percorrem as ruas da cidade com o trabalho de pastoral. Eles fazem uma triagem e encaminham os mais doentes para o hospital mais próximo. Um dos religiosos acompanha o morador de rua até que seja liberado pelo médico. Se houver vaga nas casas de acolhimento, o assistido não volta para a rua e passa a morar na Toca até ser reintegrado à sociedade.

Joabe José (28) e seu Cipriano Nascimento (80), um dos assistidos cegos da Toca

Os outros moradores de rua recebem um tratamento de higienização. Os religiosos levam para o trabalho de pastoral um trailer adaptado a uma pick-up onde há um banheiro, um chuveiro e instrumentos para cortar cabelo, cortar as unhas e fazer a barba dos assistidos que, ao final, recebem roupas limpas e alimentação.

Irmão Joabe José (28) cuida do assistido José Ferreira (65): trabalho de pastoral também é feito na casa

NECESSIDADES - Para o Irmão Joabe José, responsável pela sede, a Toca de Assis não faz caridade apenas. “O nosso trabalho consiste primeiro em atender a pessoa na necessidade emergencial, como alimentação, higienização e atendimento médico. Depois começamos todo um trabalho de Assistência Social, tentando restabelecer contato com a família, retirando segunda via de documentos de identidade e CPF e, por fim, arrumando emprego para que ela possa ser reintegrada à sociedade”, afirma o religioso.

TOCA DE MADUREIRA ABRIGA 70 EX-MORADORES DE RUA


Na maior casa de acolhimento, moram 70 ex-moradores de rua. Desse total, alguns não falam, outros não enxergam. Há também quem dependa totalmente dos cuidados de um dos 11 religiosos que, como Joabe, abandonaram a família para viverem na Toca.

Só na região que engloba o Rio de Janeiro, há 16 casas da Toca de Assis, onde os religiosos cuidam de moradores e ex-moradores de rua. Já a prefeitura do Rio possui 6 centros de recepção, sendo apenas 1 destinado a adultos.

Pátio da Toca de Assis de Madureira: Aluguel da casa está atrasado há três meses por falta de verba

PREFEITURA: 1.900 PESSOAS MORAM NAS RUAS DO RIO

Segundo a Secretaria Municipal de Assistência Social, em 2008, a prefeitura do Rio contabilizou pouco mais de 1900 pessoas vivendo em situação de rua. Desse total, cerca de 500 são assistidas por 90 religiosos da Toca de Assis. “Nossa missão está sendo cumprida. Seria muito bom que os órgãos competentes cumprissem também com o dever deles. Assim todos sairiam ganhando”, afirma Joabe.

A organização foi fundada em 13 de maio de 1994 por um seminarista chamado Roberto Lettieri, que decidiu cuidar das pessoas que moravam nas ruas de Campinas, em São Paulo. Hoje o padre Roberto administra a Fraternidade com outras centenas de jovens que, desde os primeiros dias, abraçaram a causa dos miseráveis.

AMPLIAÇÃO DOS SERVIÇOS: FISIOTERAPIA

Para que os trabalhos oferecidos pela sede sejam mais qualificados, Joabe implementou um projeto de reestruturação da casa. “Vivemos de doações e muitas vezes não sobra muito dinheiro para fazermos melhorias na casa. Mesmo assim, quero pôr em prática meu projeto que prevê a ampliação de toda essa estrutura e a reforma do que já existe para atender mais e melhor a quem precisa”, completa o irmão.

O projeto prevê ainda a compra de equipamentos de fisioterapia novos e a adequação das instalações aos portadores de deficiência física. A meta é iniciar as obras em um prazo de dois anos.

A Toca de Assis é dependente de doações, que são feitas em dinheiro ou em suprimentos. Há ainda um convênio, firmado em parceria com a Arquidiocese, que prevê a doação de R$ 10 mil mensais pela Prefeitura do Rio para a sede da organização. Porém, para suprir as necessidades e manter as contas em dia, os religiosos vendem artigos personalizados, como camisetas, livros, terços e até doces nas centenas de paróquias do Rio de Janeiro. A instituição conta também com o apoio de voluntários.

VIDA RELIGIOSA

Abandonar tudo para viver em função dos pobres. Essa foi a decisão que o ex-professor de Biologia Victor Dantas, de 28 anos, tomou depois de se sentir “tocado por Deus” para largar o 8º período da faculdade de Psicologia e o casamento de três anos.

No dia 21 de fevereiro de 2003, uma nova fase se iniciou na vida de Dantas, que passou a se chamar Joabe José e a fazer votos de castidade, obediência e pobreza. Há seis meses, ele é o responsável pela sede da Fraternidade de Aliança Toca de Assis, em Madureira.

“Quando o amor de Deus nos conquista, não aceita um não como resposta”, afirma Joabe, referindo-se ao chamado para servir a Deus que recebeu quando ainda era casado.

Ele e a namorada, Cléa dos Santos, na época com 20 anos, moravam em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, e casariam em 23 de novembro de 2000, mas no dia da cerimônia, a mãe da noiva faleceu e o casamento teve que ser adiado. “Adiamos a cerimônia na igreja porque a Cléa não estava em condições psicológicas de participar”, conta Joabe. Mesmo assim, um mês depois, os dois casaram-se no civil.

Com nove meses de casamento, uma gravidez fez com que o casal remarcasse a cerimônia religiosa, mas três dias antes, Cléa perdeu a criança, que se chamaria João Victor, e o evento na igreja teve que ser adiado mais uma vez.

CONVITE - Durante uma missa, os dois foram convidados a serem colaboradores da Toca de Assis. Foram doadores por vários meses, até que um dia, quando dormiam em casa, Cléa acordou no meio da madrugada e disse que não podia competir com o amor que o marido sentia por Deus. “Ela já estava sentindo que eu havia sido tocado por Deus. Eu chorei muito e disse a ela que sentia uma coisa muito forte dentro de mim e não sabia explicar direito o que era”, disse Joabe.

O casal se separou e, 15 dias depois, Victor entrou para a Toca de Assis. Com 20 dias de vida religiosa, Cléa ligou para ele e disse que entraria para um convento de freiras Carmelitas, no Rio Grande do Sul. Até hoje, a ex-esposa de Joabe vive enclausurada e só pode receber visita uma vez por ano.

“Hoje sou pai de 70 filhos”, afirma o religioso, que se diz extremamente realizado com a vida que tem. “Não me falta nada. Tenho Jesus ao meu lado”, revela José.

Depois que entrou para a Toca de Assis, ele já morou em Fortaleza, São Paulo e Minas Gerais. Hoje no Rio, coordena a reestruturação da sede da instituição e aplica, no cuidado aos assistidos, técnicas que aprendeu na época da faculdade de Psicologia. “Minha maior alegria é amar os meus irmãos em plenitude, sabendo que eles não vão me dar nada em troca”, afirma o religioso.

DEVOÇÃO: PARA AJUDAR OS POBRES É PRECISO ABDICAR DE TUDO

Para se tornar Irmão consagrado, Joabe percorreu uma longa trajetória por cerca de seis anos, período que compreende a formação religiosa daqueles que desejam fazer parte da instituição. Hoje os votos de pobreza, obediência e castidade, chamados de votos evangélicos, são os parâmetros de vida do ex-professor. “Não é sacrifício, nem tortura nenhuma fazer castidade. A coisa mais difícil para o ser humano acostumado à vida do mundo é amar o próximo, tanto que esse é o maior mandamento da Lei de Deus”, diz Joabe, que revela ter tido uma vida normal e sem grandes confortos antes de entrar para a vida religiosa.

Quem deseja se tornar um membro da Toca de Assis deve largar tudo o que tem para viver em função dos pobres que moram nas ruas. Para José, o trabalho consiste em recuperar o verdadeiro valor dos que sofrem na miséria. “Nosso objetivo é fazer com que essas pessoas enxerguem que dentro delas há algo de bom, que elas são capazes de fazer tudo o que querem, que elas são fortes o suficiente para lidar com as dificuldades e que, ao contrário do que dizem por aí, não são o lixo da sociedade”, completa o religioso, que considera fundamental um trabalho de recuperação da auto-estima dos assistidos.

A FORMAÇÃO

• 1 ano vocacionado externo
• 4 dias de retiro espiritual
• 8 meses a 1 ano de vocacionado interno
• 1 ano de aspirantado
• 1º ano de postulantado
• 2º ano de postulantado
• 1 ano de noviciado


VISÃO DA TOCA

A Fraternidade de Aliança Toca de Assis tem como visão organizacional a conscientização de todas as instâncias de governo, assim como de toda a sociedade, sobre os cuidados aos pobres; que o exemplo por ela oferecido sirva para se compreender a melhor forma de lidar com o problema da existência de pessoas morando nas ruas.

MISSÃO DA TOCA

A Fraternidade Aliança Toca de Assis tem como missão organizacional o acolhimento aos pobres para oferecer-lhes assistência emergencial, social e religiosa, com vistas à reintegração de cada sujeito à sociedade por meio do resgate da dignidade, do respeito, dos direitos e da identidade de cada morador de rua assistido.

CULTURA ORGANIZACIONAL DA TOCA

A vida religiosa na Toca de Assis é inspirada na espiritualidade franciscana, segue crenças, ideologias e valores católicos e é pautada em três votos evangélicos: pobreza, obediência e castidade. Todos os membros seguem um código de ética, que é o Estatuto Social da Toca.

SÍMBOLOS DA TOCA

Todos os membros da Fraternidade usam uma cruz pendurada no pescoço, para lembrar a morte de Cristo. Nas instalações das casas, podem ser vistos o trigo, que morre para virar pão – uma alusão ao abandono da vida pessoal de cada religioso -, a lamparina, que remete à vigilância contra o pecado, e a espada, que lembra a imolação da vida de cada membro.

SINAIS DA TOCA

Os religiosos da Toca de Assis usam vestes em dois tons de marrom. O mais claro lembra a morte. Já o mais escuro, a terra. Além disso, uma corda amarrada na cintura remete à oferta que os consagrados fazem das próprias vidas a Deus e apresenta três nós, para lembrar os votos evangélicos. Outro sinal que os identifica é a tonsura: um corte de cabelo que deixa exposta a parte superior da cabeça, para lembrar que a mão de Deus está sempre sobre eles.

Outras informações podem ser obtidas pelo site www.tocadeassis.org.br ou pelos telefones 3340-1226-27.

19 comentários

Camilla Carvalho disse...

Excelente matéria. Em São Gonçalo, a Toca de Assim também percorre as ruas dando apoio e acolhendo aqueles que necessitam e querem ajuda.

Anônimo disse...

Excelente artigo. Não conhecia essa obra. Vc tá igual vinho, cada vez melhor. Um beijo. Sucesso.

Anônimo disse...

Matéria muito boa! Não conhecia essa obra. precisamos de mais artigos assim.
Parabéns ao autor!

Anônimo disse...

Otima materia! Precisamos de mais informacao e divulgacao desse tipo de trabalho. Quem sabe nao toca o coracao do povo?!...
Parabens!

Anônimo disse...

Obrigado, pessoal!

As fotos ainda vão ser inseridas pelo editor.

Abs

Paulo Fernando Maia

Prof. Ricardo França (Editor-chefe) disse...

Paulo, simplesmente sensacional.
Parabéns!

Ricardo França

Anônimo disse...

Parabéns, a matéria está muito legal!!!!
Bjs, Letícia.

Rafael Pires disse...

O trabalho que o pessoal da Toca faz é muito bom. Eu já conheci esse pessoal.

Erika Jordão disse...

Paulo, muito legal a matéria!!! Eu não sabia q havia esse tipo de serviço em Madureira.

Alexandre disse...

Impressionante como ainda existem pessoas que praticam o bem sem pensar em receber de volta e outras que buscam nos mostrar isso de forma impessoal e profissional. Sr. Paulo Maia, parabéns por estar sendo esses dois tipos de pessoas neste momento. Execepcional.

Alexandre disse...

Desculpe, o correto é Excepcional.

Leonardo Aquino (Band) disse...

Parabéns Paulo. Falando jornalísticamente, digo que o trabalho demonstra uma vasta apuração, excelente aproveitamento das entrevistas e texto cirúrgico. Descrevendo a matéria no papel do leitor, digo que é de extrema sensibilidade, bem organizada e muito, mas muito relevante. Enfim, como não acredito em perfeição, posso dizer que vc conseguiu a semi-plenitude. Parabéns meu amigo.

Anônimo disse...

São essas atitudes que fazem a vida ficar mais leve.
Gostaria de parabenizar o Sr. Paulo Fernando pela excelente matéria. Se os veículos de comunicação se interessassem mais por esse tipo de matéria com certeza haveria muito menos pobreza e miséria. Porque é incontestável a força e o poder que os veículos possuem.
Parabéns
Bia Maia

Vanderlei disse...

Excelente matéria. É muito importante esse tipo de divulgação, permite conhecermos entidades e pessoas que ainda se preocupam com o bem estar de outros. Parabéns

Anônimo disse...

Obrigado, pessoal!

Para realizar essa matéria, eu tive que fazer um trabalho enorme de apuração, com visitas e contatos constantes com os responsáveis. Não foi fácil! Rsrsrs

Fico muito feliz com o retorno de vocês e espero que eu tenha ajudado a Toca de Assis de alguma forma.

Quem puder, por favor, indique essa matéria a um amigo para que o trabalho deles seja ainda mais divulgado. A sociedade agradece!

Abs

Paulo Fernando Maia

Anônimo disse...

Puxa, realmente impressionante.Que bom que podemos renovar nossas esperanças de um mundo melhor!!!

Anônimo disse...

É maravilhoso o trabalho e a entrega dessas pessoas que entendem as necessidades dos menos favorecidos.
Abraços,
Denise.

Ivaldo Baltazar dos Santos disse...

Prezado Irmão Joabe,

Você tem uma história de vida muito forte e ela é um exemplo para muitos que levam a vida sem um sentido.Muitos tapam os ouvidos para não escutarem os clamares dos mais necessitados. Você Irmão Joabe fez o contrário de muitos.Se esvaziou do seu "eu" para se encher do AMOR DE DEUS. UM AMOR VERDADEIRO E SEM INTERESSE.
Eu me sinto atraido a esta maravilhosa opção de vida. Consagrar-me á vida Religiosa no meio dos mais necessitados.

Reze por mim.

Que Deus lhe abencõe.

Ivaldo/Belém-Pa.

E-mail: ibaltazars@bol.com.br

Paulo Fernando Maia disse...

Recentemente, soube que o Benedito alugou uma casa, saindo, portanto, da Toca de Assis. Ele e a namorada resolveram viver juntos.

Parece, inclusive, que ele mudou de emprego e está ganhando mais.

Parabéns a todos os envolvidos nessa e em tantas outras recuperações.

Paulo Fernando Maia

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